Você sabe o que são os líquens?
Aquelas manchas, crostas, escamas ou estruturas semelhantes a “folhas” – que se fixam em árvores ou em rochas presentes ao longo dos vários percursos recebem o nome de líquens. Esses organismos, que são uma associação (denominada como simbiose) entre algas (ficobionte) e fungos (micobionte), são considerados bioindicadores da qualidade do ar. Para se aprofundar um pouco mais sobre a importância da presença do liquen no PEI, fomos ouvir Márcia Isabel Käffer, doutora em Ciências: Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-RS), especialista em biomonitoramento e ecologia de liquens.
Para o equilíbrio de um bioma, qual a importância da constatação da presença dos liquens?
Os líquens são organismos pioneiros na colonização de ambientes. Em superfícies rochosas, os ácidos presentes nas espécies liquênicas contribuem para o processo de desgaste deste material, propiciando a colonização de outros organismos, como briófitas, samambaias, entre outros. Os líquens são utilizados por animais, como os pássaros, na elaboração dos seus ninhos; os insetos utilizam para camuflagem (esconder ou enganar) seus predadores e outros animais usam para se alimentarem.
Algumas espécies liquênicas que possuem algas azuis (ficobionte cianofícea) contribuem para a ciclagem do meio ambiente, por meio da fixação de nutrientes, como o nitrogênio. Por isto a importância deles no ecossistema.
Os líquens são bioindicadores da qualidade do ar?
Sim, pois do ar retiram a umidade e os nutrientes necessários para seu desenvolvimento. A ausência de liquens em áreas urbanas, industriais, florestais, entre outras, está associada também a diferentes fatores ambientais – microclimáticos, disponibilidade de substrato, características destes substratos, como rugosidade, pH e textura da casca. Importante salientar que a maior presença destes organismos em um local, não pode estar associada a melhor qualidade do ar, pois na maioria dos casos, as espécies mais resistentes é que permanecem em detrimento das mais sensíveis à poluição, por isto da importância de conhecer quais são as espécies presentes nestas áreas.
Desde 1760, os líquens são empregados em estudos de monitoramento da qualidade do ar, especialmente no hemisfério norte. Nas últimas décadas estes estudos se expandiram para muitos países do hemisfério sul, como o Brasil. Como os liquens retiram do ar e da água da chuva os nutrientes para seu desenvolvimento, eles absorvem também outros elementos como muitos poluentes, especialmente metais, compostos de enxofre, derivados de combustíveis fósseis (HPAs- Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos), entre outros.
Então as cores dos líquens não são sinalizadoras da qualidade do ar?
Não. As espécies liquênicas possuem diferentes colorações que são derivadas de substâncias liquênicas denominadas metabólicos secundários e estes podem ser encontrados em várias partes do talo como, por exemplo, no córtex ou na medula. As diferenças na coloração são características importantes para a identificação das espécies.
A coloração do talo liquênico irá variar dependendo da espécie e é uma característica importante na classificação dos organismos. A presença de liquens de coloração diferenciada em determinados locais não está associada a presença de poluentes, como muitas vezes estão relacionados. Normalmente espécies como o denominado “líquen vermelho” está erroneamente associado a locais mais “puros” em termos de qualidade do ar. Mas esta espécie e outras que possuem tonalidades semelhantes – variam da borda alaranjada, rosada e são classificados como espécies diferentes ao Herpothallon rubrocinctum da imagem – estão presentes em locais mais úmidos, próximos a beira de rios, cursos d´água e no interior de áreas florestais.
O que a ciência sabe sobre os liquens hoje?
Atualmente, são conhecidas mais de 19.000 espécies no mundo e, no Brasil, são estimadas 4.900 espécies. Os líquens são divididos em grupos morfológicos, com uma variedade de formas (crostosos, foliosos, fruticosos, dimórficos, filamentosos e foliícolas) e sua ocorrência está associada a diferentes características do substrato, como a casca de árvores. Também são sensíveis a variações microclimáticas e ambientais. Assim, a presença de diferentes espécies (de coloração diferente) entre as áreas são muito grandes.
Normalmente, no interior de áreas de mata, há variações de luminosidade, umidade, de substrato e estes fatores é que contribuirão para o estabelecimento e desenvolvimento dos líquens. A diversidade liquênica varia muito de ambiente para ambiente, mas claro que a poluição do ar influencia muito na ocorrência das espécies, especialmente daquelas mais sensíveis.
O que pode significar a falta de liquens para o meio ambiente?
De forma geral, a falta da comunidade liquênica assim como de outros grupos podem ocasionar alterações no ambiente, pois todos os organismos são importantes para um equilíbrio do ecossistema.
As espécies mais sensíveis tendem a desaparecer quando o ambiente está alterado deixando o espaço para serem ocupados por espécies mais tolerantes ou resistentes a poluição do ar e/ ou alterações ambientais, inclusive em áreas florestais.
Os líquens possuem alguma utilidade na indústria farmacêutica para o combate a doenças?
Sim. As espécies liquênicas possuem substâncias denominadas metabólitos secundários, que são compostos que desempenham importante função. Estudos tem demonstrado que mais de 800 metabólitos secundários já foram analisados e a concentração destes compostos variam de acordo com seus talos.
Suas propriedades variam de acordo com o grupo e/ou espécie, mas já foram registrados por meio de testes de laboratório que estes compostos podem exercer atividades antifúngica e antibacteriana. A síntese destes metabólitos exerce uma variedade de atividades biológicas além de propriedades como anti-inflamatória, anticoagulante e antiparasitária, assim como sequestrador de radicais livres.
Também há registro destes metabólitos como antiprotozoário e os resultados são bem evidentes em vários estudos, como para doença de Chagas. Existe também a análise de suas propriedades para a formulação de analgésicos, além de suas propriedades como antibióticos e antitumorais.
Em tempos remotos, os líquens eram utilizados para pinturas de tecidos, no entanto algumas destas substâncias são empregadas na indústria cosmética. As propriedades destes metabólitos podem ser empregadas como inseticidas, pois os compostos possuem diferentes funções, como proteção contra herbivoria, competição, radiação ultravioleta, etc.
Eles possuem também função alelopática (que é a capacidade de plantas ou outros organismos de produzirem substâncias químicas que ao serem liberadas ao meio ambiente influenciam de forma favorável ou desfavorável a seu desenvolvimento).
Afinal, o que são liquens e qual a importância para o meio ambiente?
Os líquens são uma associação (denominada como simbiose) entre algas (ficobionte) e fungos (micobionte) formando um organismo. De forma geral, as algas auxiliam no processo de fotossíntese, enquanto que o fungo fornece a umidade e auxilia também na parte da nutrição destes organismos.
Habitam desde áreas polares até desérticas e se desenvolvem em diferentes substratos (rochas, solo, troncos de árvores, moirões, sobre folhas, entre outros). Também são denominados como epífitos (assim como muitas espécies de bromélias, orquídeas, samambaias e briófitas), pois apenas utilizam o substrato para seu estabelecimento e desenvolvimento, não prejudicando seu hospedeiro (no caso as árvores).
Käffer é vinculada ao Programa de Pós-graduação em Qualidade Ambiental, na Universidade Feevale-RS, onde desenvolve pesquisa relacionada ao projeto de Avaliação da Qualidade Ambiental das áreas florestais da Bacia do Rio dos Sinos, com uso de liquens no Laboratório de Botânica da universidade.